quarta-feira, 17 de abril de 2024

Pelas Ruas do Mundo.

 Ao passo de dez (ou onze?) anos atrás, lhes escrevi uma máxima aqui neste bRog, da qual ainda uso em temporãs: "Mundo Maravilhoso, Lindas Pessoas - essa é a vida", de qual era trecho de uma música minha.
Bem, é só pra dizer que essa máxima ainda vale. Vale muito. 
Ainda é atual destacar e acreditar em cada parte boa de cada ser, e ainda sim fomentar a quem não instiga em si a parte boa e misericordiosa fazê-la render e fermentar. Sabemos lá que o mundo vem-se-ter em pé de crueldade e desigualdade, minguando em tristêza e desânimo. Mas, se colocamos o nosso arado amarrado a uma estrêla, temos como acreditar. Crer, sim - não há palavra mais própria para o contexto - no melhor. Seja lá pela vida, pela esperança, pelo amôr, pela fé, pelo amanhecer... em algo reside a bondade e nela toda fôrça que ousa ir contra se disspia e se transforma; como disse Paulinho da Viola: Tudo se transformou.
Pois, se lhes escrevo de esperança, é porque justamente a minha morreu e se refez em algo nôvo. E digo isso com a minha fé e humanidade exposta tal qual (não só) como um escriba, mas tanto como um ser humano normal e comum, que ao ver o Sol nascer e a Noite cair, entende que há coisas maiores e mais grãs que regem e imperam. Antes, haveria de ser mais um dia e menos um dia, e agora, faz-se o mesmo, mas com outro significado, trazendo em si a esperança de melhoria, e a fé que se aflora, desbota e germina em solo para que outros possam também crer - ora, pois se este bRog é de viés escribário, e conta de visão imparcial com exceção para Deus e Sua Igreja, nada além disso deveria de ser. Aprendo, pois, a mesma lição que nunca aprendi: Tudo tem sua hora, seu tempo e sua vez.
Enquanto discorro essas letras, jorram de meu peito a preocupação, o mêdo, a aflicção, e o cansaço do passo mantido (como vos digo, 'inda sou o mesmo), mas ainda sim me dá a nova e certeira direção da crença em algo maior e melhor do que o presente nebuloso; como rezamos na missa latina spero in Deo para que as bonanças cheguem, e assim me volte o sorriso em definitivo ao rosto, e estando em paz comigo e com os meus, verei novamente os Céus turvarem e as lindas garôtas sorrirem. Logo, ao chegar nesta fase, sei que os dias tristes foram a minguar, e as coisas belas, simples virão a mim de alguma forma, de alguma maneira, e eu, serei o mesmo, só que com sorte, mais vivo, vívido e feliz.
E qualquer coisa além disso, será superfulo. E qualquer coisa além disso sera desrespeitoso, e que seja sempre a felicidade por felicidade, e não por ter preço ou tábula marcadora de preço, tampouco algo que nos impeça por valôr e alíquota. Veremos, eu e os meus (e você também, se quiser) as alegrias de sábado, a cerveja no copo, o cheiro de rango, e as pessoas sorrindo como a festa da vida sempre nos presenteia quando nos cerceamos de coisas belas, interessantes, densas e profundas de sentimento e verdade. 
E eu, estando lá, espero te ver. Como um pôr do Sol no alto da serra, e uma alegria sem fim.

quinta-feira, 14 de março de 2024

Ode a Seo Fabio.

Meu avô - aqui descrito como Seo Fabio, Fabivs Magnvs, ou Fabião - faleceu na segunda-feira (11/03). Descansou, após duras e tortuosas moléstias e tristezas. Finalmente pode enfim repousar e estar em paz consigo e com os seus. Encontrou com Jorge e Dona Lourdes e foi dar um beijo em Dona Maria, e com sorte foi também jogar bola com Fabinho. Fez a paz ser pacífica veramente, e debochou de todos os instantes sem nunca perder o senso de humor negro que habitava em sua alma. 
Em algum lugar do universo, está ouvindo Moreira da Silva tranquilamente e rindo de nós que ficamos aqui esperando algo...
Seo Fabio era maior porque soube ser menor e safo perante a vida e, apesar de ateu praticante tinha um São Jorge na sua oficina, e mantinha a sua vida pautada em valôres morais que nos ensinaram as avós antes das avós. Filho de pai militar que morreu cedo no Mato Grosso de tuberculose, criado pela mãe, desde cedo viu as casas com cercas de bambu, banhos de rio, igrejas ao domingo e a baguete filão embrulhada em papéis que depois usava para desenhar. Das bolas de meia com travessões de bambu. Da rua que cruzava a linha de trem.
Meu avô é atemporal, fora do tempo, do espaço, e das situações. Viveu os anos 70 nos anos 50, Viveu os anos 90 nos anos 00, viveu a vida com uma sabedoria que transitava no tempo e espaço - como fôsse lá desses sábios que apenas sabem viver, e que seu exemplo perpetua aos olhos, sonhos, sombras e formas. Em cada resquício, deixou um pouco de si nas músicas, nas ferramentas, nas cervejas, nos caminhos, nas bicicletas, e principalmente nas suas camisas do Corinthians e discos de vinil.
Da infância pobre, da luta efêmera pela liberdade, da doença da mãe, dos cigarros e cachaças, dos sorrisos e flertes com a patrícia aportuguêzada mais velha que trabalhava na GE, dos sorrisos, do casamento, das casas e mudanças, dos quatro filhos, e mais além sete bisnetos. Da tuberculose e parada com o cigarro. Do sujinho e teatro Record. Da Av. São João e os chopps da Brahma. Da tristeza tocante em ver o Corinthians se declinar e cair fulgurosamente como sempre faz, e de lembrar de passados com a camisa alvinegra. De ir ao enterro do Neco. De trabalhar vinte e sete anos na mesma empresa e saber que você cimentou aquilo.
Na verdade, faz falta, faz uma falta imensa. Do tamanho de Deus.
Por mais que eu estivesse ausente fisicamente de meu avô, nunca esqueci das coisas que me ensinou e me fez saber pela vida: como beber, o que falar, quando falar, onde realmente mora a prudência, como se afiam ferramentas, e principalmente: Quando saber parar. Das muitas questões que fiz ao meu avô, nenhuma ele me deixou sem resposta, por isso digo que fui mui afortunado e tê-lo em minha vida, e que a vida agora funciona menos dolorosa porque os calos e varizes de meu avô me ajudaram a ter varizes e queimaduras de ferro-de-solda em minha mão.
Eis, pois, a vida.
Sei que meu avô me passou seu legado em ouvir Renato e Seus Blue Caps, em tomar Run Montilla com coca-cola, Nat King Cole e Perez Prado, em ser corinthiano, em sempre ir ao inverso do que a unanimidade dizia, em debochar de toda situação, e principalmente, a se segurar porque "no final eu tenho que acordar cedo pra fazer alguma coisa, e se eu não fizer, ninguém vai fazer por mim." (sic)
Sei, então, de n coisas (agora adulto) que meu avô me protegeu então na mocidade, e entendo mais uma vez um dito que um frade meu dizia: "O santo, o herói e o legado só aparecem depois de môrto". Uma triste e pungente verdade. Mas a mim, os meus quatro quarteirões, e das coisas que eu penso e sei, reconheço a maior grande de um homem quando o vejo - e que honra quando ele faz parte de minha vida e carrego 12,5% de sangue dele. A sua matéria se consome, mas ele continua inteiro e íntegro, não foi lhe imputado cousa alguma pois em seu tenaz ser possui tôda a honra e glória dos louros da vida - mãe maior da existência, a qual nenhum dos  juízes pode julgar, nenhum dos advogados defender, e nenhum dos militares guardar. A sua dívida - que está ao pé de zero, foi paga. E com isso, atinge o panteão dos heróis, que suas mãos não possuem mais calos e deformidades, aonde seu cabelo está novamente empastado com brilhantina, e suas pernas não possuem mais varizes. Está agora, na Rua Jacú, com seus quatro filhos, se preparando para ao sair da missa ir no campo da NIFE jogar uma bola e depois tomar uma. Passar no açougue do Seo Antônio, e ver a família melhorando.

Para você, meu avô, dou não só a direção dos meus pensamentos, mas o melhor de minha vida. Obrigado por muito e por tanto, e que mesmo que escrevesse tudo aqui, ainda existe aquilo em espaço-estreito-de-navio que cabe somente entre eu e tu. Obrigado pela sua existência.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Operator.

 O amôr, em suas três divisões, por ora pode ser demasiadamente lindo. Mas pode ser lancinante e cruel. Lembro quando olho para trás todos os sonhos que constitui e construí - alguns com rapidez, outros com cautela, e outros de qualquer jeito. E a sensação amarga do recomeço sempre me incomodou.
O amôr as vezes pode ser muito explicado, mas, quando torna-se frugal, torna-se melhor. E quando torna-se belo, deve-se ter cautela.  
Sei, também, que o amôr costuma ser vivaz com quem o sente, e que não se baseia apenas nas pernas grossas e olhos acastanhados das moças, mas no vento sagaz, na beleza das luzes do centro, dos cafunés nos Santos Cães da Rua, na feijoada na cumbuca de barro, o litrão na mesa de plástico e uma alegria de fim de festa...
Uma fumaça do cachimbo voando solitária pela noite, que por vezes no fornilho faz as vezes de lampião.
Talvez, há  uma grande chance do amôr nunca ser nada do que se quer, mas sim do que se precisa, mas, até no precisar deve existir um querer - seja de ordem de grandeza, ou da grandeza. Se ela usa salto ou all-star, se sorri ou franze a testa, se grita ou geme, se fala ou sente; que mal faz? É amôr, dentro do sacrário do peito d'ela reside parte de mim, e parte d'ela carrego atado a mim. E ao porto, digo não. Acosto, acocho e me atraco a marina de seu porto, fazendo-me saber de dela, e que ela se saiba de mim.
Haverão dias escuros e noites claras. Medos e incertezas, raivas abruptas e carinhos sem fim. Sei disso, é o mesmo esquema de maneiras diferentes em cenários iguais, mas, não compete a mim fazer toda a vez ser a última vez? Disse um velho senhor que conheci no passado que o "verdadeiro amôr, é o último amôr" (sic). Eu não discordo em parte, mas sei que não é apenas isso. Só o que excede, transgressa, urge e faz ser visto é notável e deliberadamente tangível no alto do ser.
E do resto? Que lá sei.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Last Summer Whisper.

 Este poderia ser o dia de nossas vidas.
Mas você tem o direito de transformar em algo comum... e não serei eu que tomarei a dianteira; a mim, basta o caminho. 
Dou o meu sorriso na graça do dia e do que o envolve, com todos os seus sins e nãos, com suas vontades e nuances, por isso sei que não posso pedir algo de direito a escolha. Se quiser, é o benfeito, e sem bem fazes, bem terá. Talvez não entenda, mas só quem toma as decisões diárias sabe como pode ser penoso e doloroso ter que escolher para outrém. Cabe, talvez, um consenso; mas não o direito de derrubar contra a outra pessoa um querer ou um gostar forçado.
Você pode mandar uma mensagem, você pode abrir uma cerveja, você pode sentir o vento mexer nos seus cabelos -  tudo isso faz parte de um momento e de uma síncope da vida, de perfeição tão bela que até nos atordoa. O que queres fazer, bem o podes; desde que estejas preparada para a consequência ou para o desfecho de suas ações. O que fizerdes, faça bem feito, pois o retorno há de ser bem feito para você também. E isso é o básico da sentença.
Fazer as coisas com carinho e afeto, mesmo que cotidianamente, nos alegram, mesmo que não parecendo. O que nos vale desse caminho a seguir, é como o fazemos, e se não ferimos quem está ao nosso redor pelas nossas atitudes e dizeres.

O que vale, é que este poderia ser o dia de nossas vidas, mas para você não é nem dia, e nem vida.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Up The Junction.

 Dizem, os sábios, que o amor é loucura.
Das mais atrozes, que dilacera e faz os sentidos se tornarem ridículos. 
Crendo nisso, logo me entendi enquão amante - seja da vida, da nostalgia, do tempo e do têmpo antes do tempo (importante dizer) e etc. Sou apaixonado por n coisas que me fazem gemer em ais e perder o fôlego das razões. Logo, se sou assim, desconheço e ojerizo o amôr em face de ser racional. Não existe. Amôr que pensa é lógico, e assim, não existe o imediatismo, a ensandecida vontade de demonstrar o sentimento para quem se ama ou para o mundo em geral - logo, o amôr enquanto racionalidade, é uma falha grave e alcova de pessoas que usam as outras. Caso encontre um ser desses, fuja para longe e peça a Deus que esse ser tenha um belo caminhar.
Pessoas que racionalizam o amôr na verdade tem uma grande falha em se entregar, e por isso acham que calcular a rota e racionalizar aquilo que apenas se sente vai mudar algo... e o que muda na verdade é como nós as vemos: de pessoas incríveis, para bichos. Rasteiros. De coração frio, estômago baixo e olhos acobertados. 
E eu, pessoa pequena de pensamentos e habilidades, creio que o desespero que emprega no amôr é o que rege, evolui e demonstra violentamente o mesmo; que aliás também reside nos cuidados silenciosos, nos pratos favoritos feitos, nos abraços em horas de dor, das noites de bebedeiras, e dos carinhos velados somente para a madrugada afã e perfeita. O amôr, como mãe que possui e provém todas as habilidades, logo se mostra prolífero de cuidados, quereres e coisas boas. Sem esse amor, a vida não posssui ter ou querer.
É como trabalhar com o que não se gosta, e ao sair do labor encontar livre e desimpedido aquilo que te rege como grã alegria e motivação - e sim, eu sei, e Deus sabe que eu sei que existe a alegria oculta, que nem todos os nomes são capazes de dizer, nem todos os pensares são capazes de elaborar e nem todo nome é capaz de lograr. 
Aliás, o meu é uma Antarctica. Gelada. 
Geladinha. De trincar.
Meu Santo Antônio, com uma dessa eu danço até com os Santos Cães da Rua!
E, enfim, me ponho a pensar, no que ouvi hoje sobre os amôres e os gostares, e percebo que as pessoas mudam os cenários, as faces, as fases, as ruas, mas a grã maioria dos seres humanos ainda tem o mesmo problema (possivelmente de fábrica): Eles não sabem - e talvez nunca vão saber - amar. 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Silence Is Easy.

Dizia para mim um velho senhor, de hábito preto e olhos fechados enquanto esfregava suas mãos para esquentá-las: "Se te arrancam um pedaço, menino - segue."
Ah, a sabedoria dos mais velhos, quão fulgurosa é! 
Por mais que doa, por mais que aflige... por mais que pareça que não há o que ter depois do não-ter. Há quem busca, e há quem o tem. Vida é troca, e nem todas são de fato justas ou iguais - porquanto, sei que há muitas mãos que nunca deveríamos soltar e tampouco sei das mãos futuras que tocarão a minha quando a cingir no Aqueronte da vida. 
Só sei de mim, dos meus versos, de minha viola, e do sorriso daquela mulher que com a fumaça que sai da boca, me faz sentir melhor - mais vivo, mais inteiro. No demais, sei das desaprovações, dos erros, da peste, da morte, e daquilo que se oculta a cada passo; da infindável e formosa verdade, nunca pude a ter, apenas ouvi falar, e dizem-me os sábios que ela é boa. Que ela é linda. Que é a matrona de todas as bonanças. Sei também que as ruas estão mais policiadas e de alguma maneira não há mais tantos irmãos de rua aonde moro - parece estranho, mas é a pura verdade.
Pelo visto, ao contrário de tantos sábios e heróis, percebo que até a verdade tem lá seus níveis e formas; coisas que predestinam ou prenunciam guerras, ou apenas um sim ou não. E em um silêncio abrupto ao me dar conta disso, olho a janela, vejo o vento, penso em mim. Só sei de mim. Só sei dessa cidade que come e destroça sonhos e esperanças. E das mãos que toco - as seguro firmemente contra a minha - e não as quero soltar. Só sei de mim.
Não quero fumar. Agora não. Deixo-me esvanecer com o momento tão íntimo e particular. 
Ai de mim, se achasse que em algum tempo antes do tempo as coisas pudessem melhorar ou ter-se-lá alguma esperança, e se ouvissem como me presto a dignar os ouvidos a cada ouvir. Ai de mim, se vejo a vida como é, e não crio tanto caso; apenas tento fazer o que cabe dentro de mim como ser humano. Mas sei lá eu, que até a bondade tem preço, e que as represas se quebram. E lá eu, mantenho, aquilo que nem as paredes confesso, e em um espaço estreito de um navio, confio somente a mim; pois lá no fundo só (eu) sei de mim, e sei que algumas coisas não se competem a dividir, mesmo que pareçam terem ser feitas para tal situação.
Algumas vezes, o mais fácil a ser feito; é justamente a parte mais difícil de toda uma vida.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Still Waters Run Deep.

A cidade desce, e no acinzentado padrão do mar-de-côres que o horizonte entrega, em cada ninho vertical que há na cidade, reside eu, tu, e tantas outras pessôas... acendo um cachimbo, e enquanto esfumaceio o meu cômodo, lembro de teu sorriso, e de alguma forma isso me trás uma nostalgia benéfica, de forma que só de lembrar seus olhos e seu sorriso, seu charme e seus trejeitos, me encabulo sem estar aqui.
Escrevo sem escrever, mais em tom de desabafo, estando a casas de distâncias, ruas talvez, até. Tudo é questão de logística pelo visto.
Enquanto o vento desce, encho minha taça para mais um tanto, e vejo os poucos carros na avenida movimentada. Assim, logo percebo como a vida, tão agitada também é - e pede - calma; assim como implicitamente pedi (e agora por telepatia) peço seus beijos; e antes que diga algo, você sabe que é para você esse pensamento, e mesmo não entendendo, sei que você compreende de alguma forma o meu jeito reservado, quieto, sereno, pensativo, teólogo-amadorístico, quixotesco, beberrão e principalmente travado em relação de você. 
Você acreditaria nas coisas que tenho a dizer? Em todas as que enchem minha alma e pesam em meu coração? Ouviria o resto de minhas histórias para desvendar e ver quem eu sou dentro desta carapaça? Você acreditaria no que falaria das coisas que sei, ou tentaria interrogar para que visse algo que nem a minha face se mostra? Se, no calor de hipoteticamente vos dizer algo já me escuso; sem que você saiba já me declaro e me deito ao vosso pé. E assim sou - imediatista, romântico, dos versos, dos sentimentos, das flôres e das liras. E esse sou e serei ao visto da minha vida; e no fundo nem acho de tanto ruim. Até gosto, a ser franco.
A chuva cai. Mui provavelmente dormes, ou assistes algo, ou preparas algo para beber. A têz da noite começa a abraçar o Céu cinza dando seus prenúncios, e você nem diz nada, tampouco me aborda para falar do que é, ou não é. E o oculto de meu peito, apenas espera a Dulcinéia. A vida, por mais incrível que seja também espera - ao atingirmos um patamar descobrimos que ela espera, e nesse sábio esperar para ter com quê, vemos finalmente a vida acontecer e ser real. E que é então a vida? Habita em seu sorriso, cabelos, olhos apertados, coxas grossas e voz macia e toque-de-mão. E qualquer coisa além disso, definitivamente Deus guardou para Ele.  

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

A Pair Of Brown Eyes.

 Sinceramente, não creio na certeza do que cresce e floresce. 
Cada vez mais creio no que minha mãe me nutriu desde cedo a crer: que eu não teria amôr, que não saberia o que isso seria (ou como seria/funcionaria), e como relógio com deficiência psicomotora, estaria eu fadado a chegar cedo demais ou tarde demais em toda história que me acochasse, sobrando pra mim a dita migalha. Como fadado a ruína e crescido na pobreza, guardei no âmago de meu coração os maiores desejos de um homem enforcado, e nele fiz meu trapiche e caserna. Nos dias frios, as estrêlas eram as confidentes, e a Lua, quando aparecia em formas cuniformes, era a musa de minhas trovas e serestas. E quando havia frio, os cobertores eram o abraço; e no calor, o vapor quente da natureza era o clima que nos excitava. 
Hoje, mais uma vez, é de solidão. E apenas isso.
Aliás, como se percebe que se chegou tarde demais? (não há relógio que determina, e é isso que atordoa e dói)
Apenas quando algo se consuma? Ou quando seu peito se arde em ais e vendo a oculta efíge daquilo que os olhos velam, você simplesmente esquece quem é, o que veio fazer, e porque está ali? 
E aqueles pares de olhos, que almejei minha vida toda, de repente não estão mais lá - e sendo franco, nem sei se eles alguma vez estiveram, e talvez tenha sido uma busca vã e fadigosa por nada. E como diria Dona Márcia: mais uma vez construí minha casa na areia. E tôda a busca, tôda a verdade, tôdo o sonho, tôda a esperança, tôda a fé, tenha sido tardia demais; logo não me resta nada mais e nem nada além de sentar no meio dessa estrada.
Sim, sentar. Parar. Fim. Corte abrupto.
Sacudir o pó das sandálias aonde não se é benvindo, e seguir para algum lugar só meu, aonde eu possa cegar esses olhos, tanger em tenaz viva de fôgo meu coração, e calar aquilo que pulsa jorrante ao peito, a mente anseia e o corpo clama. Matar o homem novo e renascer o velho. Não mais pulsar água e viño, mas apenas entender a vida como é e segui-la de maneira cada vez nenhuma. Não havendo vida, não há o que doer.
Os discos, os livros, estão todos aqui, tôdos eles me dizem aquilo que me cabe. Tudo isso ainda (por curto espaço de tempo me pertence). Que se te procura conforto, ombro amigo, ou descanso, mais fácil contar com o vazio do que com quem você está amplo e apto a entender e viver. Não se preocupar e deixar aquilo que mais dói e tange do que faz bem, e parar de pensar tudo por aquém não pensa tanto - sem escusa, sem justificativa, sem entrega e sem pensamento.
Entre a água e viño, escolho o copo que me anestesia e me deixa sair de mim, para num momento, trancado em meu apartamento, eu possa me sentir vivo, inteiro, e soltar um ris genuíno de alegria em meu peito desfigurado e em meu rôsto transfigurado, judiado da viagem até aqui.
Sigo, não por opção. 
Eu, sinceramente, termino e encerro aqui.
Um  afago nos Santos Cães da Rua, e meu amôr a tôdos os Irmãos Profetas da Rua que em seus abrigos, são mais sábios do que eu, e nas igrejas que fui, um pedaço de mim - meu coração, no Largo. E aos que se exilam, meu venerável e ditoso respeito cego de armas.
No mais, adeus.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Hand In Glove.

Mais um pesadelo, mais uma cama encharcada de suor, mais um dia. menos um dia. Mais um cansaço e mais um amargor para o coração já pesado.
E eram mãos que não se tocam mesmo em contato, beijos que se trespassam violentamente mais aprazerados do que afetivos, e sentidos que sentem outras coisas em vez daquilo que ousa sentir - ao canto, um corpo jazia, com sangue escorrendo do lençol. Esvanece e transfigura diante de mim aquilo que meu coração novamente se ousa derramar. Dizem os especialistas que é normal perder o coração... mas perder a alma e o anseio, do vívido estar e do viver e do falar, é totalmente perigoso e nocivo.
É sobre a demora, sobre o atraso, o caos, e jogar a bomba e sair correndo. É sobre ver o lance feito e sair andando e não pensar em um segundo em assumir a situação - demolir todas as crenças e todas as perspectivas e ainda achar que não se há problema, abrir fôgo "sem querer" e  não cogitar ao menos se deve socorrer. 
A omissão, é mãe de males inconvenientes gerados por uma ridicularização do ser.
Dói, transluze e passa, eles dizem. Mas eu não sei, eu não concordo. E pela enésima vez me paro distante, e vejo os cacos no chão, me preparando para pacientemente os resgatar e os pôr em ordem, mesmo que ninguém me pergunte, mesmo que ninguém me entenda, mesmo que ninguém me ponha em dedicação, mesmo que ninguém suporte, mesmo que de novo, entre os mares de gente seja apenas eu.
Outro dia vi um cara chorando na rua. Suas lágrimas pareciam lâmpeijos de cristais que desciam contra sua vontade. Havia um papel em sua mão - foto, letra, e algo mais que não pude ler. Mesmo de fone, pude ver que ele dizia algo, sua bôca denunciava algumas palavras que se misturavam com os cândidos cristais que jorravam de sua face. Hoje, ao caminho do correio, disse o fiscal do terminal que ele foi três vezes no mesmo ônibus, e apenas olhava a paisagem, como se aquilo o acalmasse de alguma forma.
Não ouvi os sinos, e vi cada pessoa estendida no chão. Olhei cada face opaca e me vi em cada um. Pensei em cada pensar e não encontrei nenhuma solução a não ser daquela que minha cabeça ecoa há anos. E no silêncio da vida, os passos começam a ser duvidosos, incertos, impacientes, e vacilantes - não que seja lá  coisa boa ou ruim, mas apenas coisa comum ou qualquer, de uma verdade que tange como um ferro quente e atordoa, e você percebe que aos outros sim, e a você não; e dada qual a censura da vida, a indagação gera um buraco que toma a alma e a consterna e a fazer gemer. Torce. Cidade ambígua. Desilusão. Os solos de guitarra no ouvido apenas lhe farão sentir anestesiados por minutos. O sorriso de receptividade parece mais vazio que nunca.
As memórias, os ditos, e os sangues que marcam a parede trazem histórias de durante e agora, mas não significam nada - e isso me atordoa. Assusta-me veemente (como sempre me assustou) que de uma certa maneira nada signifique e nada tenha um porque de ser, ter e viver. Poderia até dizer que sigo bem como sempre segui e vivo como sempre vivi, mas sei que seria uma grã mentira contra mim e contra a verdade em que me encerro; pois deixei um tanto de mim em quem encontrei, e levei uma parte dos que conheci - e entre as cicatrizes, não vivo. Existo.
Então me diga como eu devo "bater de frente" diante do colpaso, ver a vida com olhos cegos e entender que tudo de repente não passa de um eterno teatro de fingimentos - ah, a bôa-vida que quer se ter de alguma forma, e outrora repousavam em olhos de uma mulher chamosa que conhece as regras muito bem. Não existe fórmula, lhe adianto, mas há caminhos; e que nesses caminhos resultam em cheganças e partidas. E isso mantém-se imutável.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

California.

 A vida é tão bonita que parece o arquejo dos seus pés quando eles se contraem para você se espreguiçar, e a janela entreaberta faz um degradê em sua pele que marca cada pedaço de paraíso e pecado, e na alfândega, o sorriso teu é a chancela e teus cabelos negros, o pedágio. Eu estou voltando pra casa.
Minha avó sorria sem dentes, tampando gentilmente a bôca, e depois se curvando, elevando as mãos ao Céu, como se a alegria fôsse - como o é - dom de Deus. E tem muita gente por aí que sorri sem ser humilde e não eleva os dons para Deus. E eu, quando me lembro de minhas raízes, volto para onde nunca saí - para a seiva da gênese; eis-me aqui...
...eterno garôto encreiqueiro, trigueiro príncipe do degrêdo, filho ordinário de Itaquera, de sôco inglêz na mão e terço na outra, pude ser tudo o que a vida me deu e me fez caber ser - amei e odiei na mesma proporção, turbulento com a mãe e desastroso em achar o amôr; e nas ruas cheias de estranhos, me disfarçava como mais um; por mais que eu não possa mais, ainda dobro o triângulo, e desço tôda a Brigadeiro Luís Antônio tomando um latão ouvindo The Who. Eu me tomo como sou, e me aceito na medida que me faço, sendo sob-medida para mim, sem ser algo que não sou, e tampouco ser pouco para o raso. Transbordo quando devo, e irrito os que não entendem ainda. Sou eterno transgressor, como tôdo degredado é.
Aquela árvore, apesar de podada ainda está lá. E firme, e forte, sem vermes ou doença. Suas folhas ainda caem na calçada e fazem um farfalhar agradável durante o vendaval, e quando chove, estranha e misticamente a sua copa consegue nos proteger; descendo um tanto a rua tem a banca de pastel do Birebadim, a tenda de ervas do seu Sinval, e o cara que arrumava panelas - e minha avó sempre comprava a borracha de panela de pressão nele. O barbeiro que cortava meu cabelo morreu, mas seu filho tomou conta do lugar, e assim o negócio da família continua em boas mãos. Meus amigos ainda estão espalhados - talvez cada vez mais - em todos os recôncavos. E ali na rampa, Toninho não está mais. E Tio Fungo, infelizmente falecido de morte trágica não pode ver como o Sol descia vermelho do lado dos novos prédios que subiram no lado esquerdo da praça aonde eu e os meninos bebíamos vinho quando cabulávamos aula. 
Os trens ainda fazem o mesmo som quando batem a curva férrea, e a cidade ainda tem o mesmo cheiro de cinza, fumaça, urina e café. Os olhos descompromissados de edifícios clássicos com igrejas barrocas se transfiguram quando passas com seu vestido e all-star. Ao te ver, o tempo se reduz para ver qual livro escolhe da estante; põe um óculos escuro, tá é Sol lá fora.
Ah, o Sol quando desce e faz sombras, é tão lindo. E a cerveja posta na mesa de madeira na calçada, o cachimbo aceso e a conversa a rodar sem fim, a miséria e a alegria com os livros postos num cantinho pra não esquecer enquanto ainda se decide o que comer... ainda tem tempo, e se não tiver tempo na rua ainda tem muitos bares, e chegando em casa ainda dá pra fazer mais alguma coisa. Tem um cara pedindo grana na esquina da minha rua, mas ele não usa pra comida - e se bobear ele come mais e melhor que eu com todas as marmitas que ele recebe, tanto que outro dia deram um pau n'ele por ele ter feito um "esquema" de vendas de marmitas doadas para quem não conseguia comer as doadas outrém. Disseram até que ele deslocou o joelho, mas eu o vi normalmente em pé e em ordem. 
Nenhuma correspondência na cadeña, e nenhum recado no mural, e após três lances de escadas avanço ao meu refúgio - não há dulcinéia que me espera, mas meus livros gritam de saudade e meus instrumentos urgem por um afago, e enquanto enoitece na cidade, vagueio em cordas e letras para falar que sinto saudades daquele Céu estrelado que hoje fulgura em meu coração.
Após um banho, é acordar melhor amanhã.